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Sobre câncer

5 de agosto de 2011 comente
“As pessoas vão viver cada vez mais tempo com câncer. E morrer cada vez menos por causa de dele”
O cirurgião Murray Brennan é referência mundial no tratamento de sarcomas dos tecidos moles. Autor de mais de 1.000 artigos científicos, ele acredita que no futuro o câncer será uma doença crônica, assim como a hipertensão
Natalia Cuminale, de Nova York - Veja On line
Murray Brennan, médico do Memorial Sloan-Kettering Cancer Center, Nova York Murray Brennan, médico do Memorial Sloan-Kettering Cancer Center, Nova York (Memorial Sloan-Kettering Cancer Center/Divulgação)

Pensar em conviver com o câncer para o resto da vida não parece ser a solução ideal para quem está doente. Ainda muito associada à morte, a doença envolve tratamentos longos, com sintomas desgastantes, além do frequente medo de uma recidiva. Se a cura ainda parece distante, é fato que com a evolução dos medicamentos e da tecnologia, o câncer está se tornando uma doença cada vez mais tratável. Dentro de alguns anos, já será possível pensar nele como uma doença crônica, uma espécie de hipertensão. É isso que pensa Murray Brennan, vice-presidente de programas internacionais do Memorial Sloan-Kettering Cancer Center, um dos maiores centros oncológicos dos Estados Unidos, localizado em Nova York. “Não há uma bala mágica que se dá aos pacientes para curar todos os tipos de câncer. Mas temos várias balas eficazes", completa. Otimista, o cirurgião dedicou sua vida a estudar o câncer desde a década de 70. Hoje, é referência mundial no tratamento de sarcomas dos tecidos moles e assinou mais de 1.000 artigos científicos durante a sua carreira.

Brennan tem uma relação especial com o Brasil. Em 2007, veio ao país para retirar o tumor abdominal do ex-vice-presidente José Alencar, morto em março deste ano. “Ele foi um homem muito forte e teve a sorte de ter acesso à melhor assistência - no Brasil e duas vezes aqui. O sucesso dele está ligado a disposição em tentar coisas", diz Brennan, que atualmente coordena parcerias com vários hospitais em São Paulo. “O Brasil não percebe a qualidade dos seus médicos”. Leia a seguir trechos da entrevista:

O senhor operou o ex-vice-presidente José Alencar, enquanto ele lutava contra o câncer. Ainda é comum receber pessoas de outros países? Nós recebemos, mas não são tantos como antigamente. Agora, é muito comum conversar com os médicos e eles dizem: “Estamos fazendo esse tratamento. O que você acha?”. Dez anos atrás, eu diria: “Eu faria uma cirurgia ou alguma coisa diferente”. Agora, digo: “É por esse caminho. Está certo”. Não há necessidade do paciente vir. Vocês têm uma assistência excelente no Brasil.
Como os hospitais brasileiros podem aprender com o Memorial Sloan-Kettering? O Memorial está ativamente envolvido em relações com o Hospital Sírio-Libanês, Hospital das Clínicas e o Instituto do Câncer de São Paulo. Nesse intercâmbio, temos pessoas que vêm estudar conosco e também mandamos pessoas para trabalhar no Brasil. Vocês têm médicos excelentes e maravilhosos pesquisadores. O fato é que o Brasil tem o mesmo problema que nós temos nos Estados Unidos. Apesar de terem ótimos médicos, eles tendem a ficar nas cidades grandes e não costumam estar disponíveis em todo o país. Vocês têm estrutura em São Paulo, mas não no Pantanal - um fato que também ocorre nos EUA. Acho que o Brasil não percebe a qualidade dos seus médicos. Mas é preciso deixá-los ajudar o resto do país.
O câncer agora está no foco das políticas de saúde pública e muitas pesquisas estão sendo feitas para ajudar na luta contra ele. Sabemos ainda que o câncer deixou de ser uma doença de países ricos e que agora está se tornando mais frequente nas nações em desenvolvimento. Como lidar com esse problema e quando será possível que a os países mais pobres desfrutem das novas tecnologias? A Organização Mundial da Saúde (OMS) está reconhecendo o câncer como um problema crescente em países em desenvolvimento. Por um lado, é assustador. Por outro, nós temos a oportunidade de envolver os países que estão com a economia em ascensão para começar a investir em prevenção. Então, temos a oportunidade de não só tratar, mas também de começar a colocar estratégias preventivas - assim como foi feito com as doenças infecciosas. Em segundo lugar, está claro que os países em desenvolvimento não serão capazes de proporcionar os medicamentos de alta tecnologia que utilizamos nos Estados Unidos. Por isso, precisamos identificar o que pode ser feito em um nível prático, em vez de querer que eles tentem chegar aos níveis do que temos na cidade de Nova York, por exemplo. É preciso haver uma transição. Todo país pode ter um equipamento sofisticado de radioterapia. Então, temos que pensar formas menos complicadas de tratar o câncer que poderão ser aplicadas em países em desenvolvimento.
Parar de fumar, controlar o consumo de bebida alcoólica, boa nutrição e a prática de atividade físicas são as fórmulas mais comuns sugeridas para evitar a doença. A mudança de hábitos é a única forma de prevenir o câncer? Nós sabemos que parar de fumar é a melhor forma. Controlar bebidas e ter boa nutrição são atitudes importantes. A moderação na maioria dos hábitos de vida é o ideal. As pessoas que degustam boas comidas ou que tomam uma taça de vinho ou uma caipirinha, ocasionalmente, não terão problemas. O problema é exagerar. A palavra é moderação.
O senhor pesquisa e trabalha com câncer desde a década de 70. Depois de todo esse tempo, quais foram os avanços mais relevantes até agora? Poderíamos passar horas falando sobre isso. Mas um dos principais avanços é o fato de a cirurgia ter se tornado muito mais segura. Saímos das cirurgias radicais que, em geral, eram muito extensas porque não havia outra opção de tratamento e passamos a fazer operações mais conservadoras, focadas na preservação da função e que evitavam a amputação. Essa tecnologia garantiu resultados melhores, com menos morbidade e menos efeitos colaterais para o paciente. O mesmo ocorreu com a radioterapia e com os medicamentos oncológicos. Antes, tínhamos drogas que matavam todas as células, inclusive as saudáveis. Hoje, temos drogas que estão destinadas diretamente a uma célula específica de câncer. Ou seja, tudo o que nós fizemos até agora tornou o tratamento de câncer mais eficaz, mais preciso, muito mais seguro e com menos efeitos colaterais.
O senhor acredita que é possível dizer que a cura do câncer será encontrada? Sim. Mas a primeira coisa que as pessoas precisam entender é que o câncer não é apenas uma doença – e sim várias doenças. A segunda é que a cura não é uma bala mágica que se dá aos pacientes para curar todos os tipos de câncer. A cura começa desde ações preventivas, como parar de fumar, até tratamentos diferentes para tipos de câncer específicos. Porque nós aprendemos que cada câncer é único. O câncer é uma doença com várias formas e não há uma bala mágica, mas existem várias balas eficazes.
Mas houve avanço no tratamento de algum tipo de câncer? Nós tivemos um progresso incrível em alguns dos tipos raros de câncer. Quando eu comecei como residente, toda criança com leucemia morria. Agora, 80% delas sobrevivem. Então, nós progredimos. Infelizmente, isso ocorreu muito mais nos tipos raros de câncer do que nos comuns. Tivemos também um bom progresso com as doenças como câncer de pulmão.
É comum encontrar pesquisas científicas que mostram resultados positivos em vacinas contra câncer em ratos. O senhor acredita que as vacinas serão promissoras no futuro? Vejo que agora, depois de tantos anos que estivemos tentando desenvolver vacinas, aprendemos que algumas delas funcionam em um grupo muito específico de tumores. Elas funcionam a partir das próprias células dos pacientes, fazendo com que elas fiquem mais ativas, mais capazes de reconhecer o câncer - assim como quando o corpo reconhece uma bactéria. Acho que esse tipo de vacina é mais provável dar certo.
Mas não haverá uma vacina para prevenir o câncer? Durante 30 anos, as vacinas foram muito decepcionantes. Acredito que as chances de elas serem utilizadas como uma única resposta contra o câncer são muito pequenas. Em algumas situações específicas, está claro que as vacinas adicionam a outros tratamentos. Elas podem ser úteis por fazer com que o sistema imunológico dos pacientes fique mais ativo ao mesmo tempo em que eles são tratados com outras drogas. Acho que essa é uma abordagem possível.
As últimas pesquisas estão levando a um tratamento mais individualizado. Ou seja, alguns tipos de droga funcionam para um grupo específico de pacientes. O senhor acredita que este é o caminho certo? Frequentemente, algumas drogas são aprovadas quando os benefícios são muito pequenos. Tenho esperanças que vamos encontrar uma forma de fugir disso. Precisamos parar de buscar uma droga para ser utilizada contra vários tipos de câncer, com um pequeno beneficio, para encontrar drogas individuais, mas que tenham um grande benefício. Obviamente, a indústria farmacêutica gostaria de uma droga que funcionasse para todos. No entanto, não é assim que acontece e não é o jeito certo de fazer as coisas. Infelizmente, o que se vê é que nem sempre usam as melhores drogas para os tratamentos. É o caso do Avastin, que finalmente foi contraindicado para o tratamento de câncer de mama pela (agência reguladora americana) FDA. Muitas pessoas receberam esse medicamento e não tiveram nenhum benefício. Nós precisamos escapar disso.
Quais são os principais desafios na pesquisa do câncer? O desafio, de uma maneira geral, é que nós vamos ver mais pacientes com câncer. As pessoas não estão morrendo por doenças infecciosas ou doenças cardíacas, elas estão morrendo de velhice. Nesse sentido, a incidência de câncer aumenta junto com o maior número de pessoas envelhecendo. Então, a primeira coisa que precisamos reconhecer é que vamos começar a ver mais idosos com câncer. Provavelmente, vamos curar mais pessoas que curamos atualmente, mas teremos mais pessoas vivendo com o câncer. A segunda coisa é que estamos começando a pensar diferente. Pensar no câncer como uma doença crônica, em vez de pensar nele como uma doença fatal. Antes de curarmos o câncer, vamos conseguir controlá-lo. Assim como fazemos com a aids, hipertensão ou qualquer doença crônica. As pessoas vão viver cada vez mais tempo com o câncer. E vão morrer cada vez menos por causa dele.

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