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Foto: Amana Salles/Fotoarena |
Pintura dança, fotografia ajudam a tratar os sintomas da doença e também servem de arma contra o preconceito
Íris é pintora, tem parkinson e ensina arte para outros pacientes. Na foto, telas pintadas pelos alunos
O remédio é o mesmo. Mas para auxiliar Ligia Nascimento, 30 anos, ele vem em doses de poesia e fotografia. Já para Íris Martteucci Longarço, 74, o medicamento está nos pincéis, tintas e telas. As duas têm a doença de Parkinson.
No Brasil, estima a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), 200 mil pessoas convivem com este problema de saúde de origem ainda incerta, que atrofia os membros e causa imobilidade. Os tremores são os sintomas mais comuns, porém não os únicos. Enrijecimento muscular, movimentos curtos e espasmos estão na lista de sequelas do Parkinson.
A diversidade de consequências que marca a doença também está nas características dos portadores do Parkinson. Um dos exemplos é a faixa-etária, tão distinta entre Lígia e Íris. De fato, jovens, adultos e idosos podem adoecer e não há consenso entre os especialistas sobre quais são as formas eficientes de prevenção (não há relação com tabagismo, consumo de álcool e sedentarismo, os vilões cativos da maior parte das doenças crônicas).
Tudo isso acaba como entrave para o desenvolvimento, em laboratório, de terapêuticas eficazes. A cura ainda não faz parte das possibilidades apresentadas pelos neurologistas aos pacientes e familiares. Neste cenário, afirmam os médicos, a arte desponta como remédio universal e sem contraindicação.
“Nunca encontramos nada melhor para tratá-los”, afirma Samuel Grossman, presidente da Associação Brasil Parkinson.
“As oficinas artísticas (realizadas todas às quinta-feiras na sede da entidade em São Paulo) trazem nova vida para os pacientes. Seja por meio de dança, pintura, versos, canto ou teatro. Eles, que costumam receber olhares assustados e arregalados por causa dos sintomas da doença passam a ser encarados por olhos admirados pelos trabalhos que são capazes de fazer”, completa Grossman, em meio às palmas após a apresentação de bailarinas, na faixa dos 60 anos, que fizeram a coreografia ao som de “Eu sei que vou te amar”.
Por causa dos tremores do Parkinson e da fraqueza nas pernas, o “corpo de baile” faz a coreografia sentado em cadeiras. Os movimentos são coordenados e em sintonia. A expressão corporal faz com que as limitações passem quase despercebidas.
Dupla função
Henrique Ballalai, neurologista e especialista em Distúrbios de Movimento da Unifesp, afirma que uma das falsas premissas sobre o Parkinson é que, por ser incurável, a doença é uma sentença de isolamento e “inoperância”.
“É possível continuar ativo. É um problema controlável com terapia, medicação e, em alguns casos, cirurgia”, diz o médico.
Por isso, a avaliação dos profissionais de saúde é que os trabalhos artísticos acabam com uma dupla função. Além de servirem como terapia ocupacional, auxiliarem na fisioterapia e estimularem as funções do
cérebro – três estratégias fundamentais no tratamento dos portadores – também servem de antídoto ao preconceito, define Lígia Nascimento que descobriu-se poeta, fotógrafa quase simultaneamente à constatação do diagnóstico.
Ligia descobriu aos 23 anos que tinha Parkinson.
E com a doença, encontrou a arte da fotografia
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Foto: Amana Salles/Fotoarena |
“Tinha 23 anos, acabado de ter a minha segunda filha e comecei com dificuldade de andar e de mexer as mãos. Passei por muitos médicos até um neurologista me dizer que era Parkinson. Quando ele terminou de dizer o nome da doença, eu só pensava que iria morrer em poucos meses”, lembra.
“Meus amigos se afastaram, as pessoas começaram a me olhar estranho, e até com desconfiança das minhas capacidades intelectuais. Não conseguia mais trabalhar na loja de roupas, meu emprego desde sempre”, recorda Ligia.
“Encontrei a Associação Brasil Parkinson e vim para cá procurando encontrar gente como eu e saber como sobreviviam. Descobri nas oficinas que poderia fotografar e até levava jeito para a coisa. Virou hobby, paixão.”
Não foi o único amor artístico. O mais curioso, diz Lígia, é que o primeiro sinal de que alguma coisa estava errada foi percebido enquanto ela assinava um cheque. “Não conseguia escrever meu nome”. E, alguns meses depois, foi com a caneta e o papel que ela encontrou uma forma de driblar o Parkinson.
“Além de fotografar, passei a escrever, fazer poesias. É a minha melhor terapia.”
Traço cubista
Segundo o professor de neurologista da Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo, Rubens Gagliardi, o aparecimento precoce da doença, como foi o caso de Lígia é raro, e ocorre em menos de 20% dos casos.
“Em geral, a doença atinge principalmente pessoas acima de 60 anos, normalmente com quadro clínico progressivo.”
Mas mesmo para quem encontra a doença com mais idade, não há impedimento para descobrir algum talento artístico, ensina Íris, portadora de Parkinson. Ela sempre foi pintora e, depois de entrar para as estatísticas da doença, passou a ensinar as técnicas a outros pacientes.
“A dedicação deles é impressionante. E os trabalhos que fazem, incríveis”, diz rodeada pelas telas pintadas por seus alunos parkinsonianos e segurando o quadro preferido de sua autoria – feito após o Parkinson.
“Eu sou apaixonada pelo cubismo. E o Parkinson não afetou em nada o meu traço cubista. Continua tudo igual”, diz com orgulho.
Prevenção
Não há evidencias de que a doença seja hereditária ou contagiosa, afirma Gagliardi. As pesquisas apontam que o Parkinson causa a degeneração de células situadas em uma região do cérebro responsáveis pela produção do hormônio dopamina.
A boa notícia é que o Brasil está na vanguarda das pesquisas de tratamentos mais modernos contra a doença. São inúmeros projetos de pesquisas e os que envolvem
célula-tronco são os que reúnem as maiores expectativas.
Fernanda Aranda, iG São Paulo | 11/04/2012
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