Foto: Rafael Andrade/Folhapress
A audição e a visão caíram. Estou só com 50% de visão do olho direito e nada do esquerdo. Mas no palco tudo é fácil. Não é romantismo. Há o prazer em driblar o móvel, passar pelo sofá, dar uma volta na cadeira e sentar do outro lado.Para parar [de atuar], é parar mesmo: deitar na cama e morrer. Aos 87 anos, ainda tenho uma vida sexual, mas não basta. O empenho de criar é muito forte. Não há nada que substitua isso (SERGIO BRITTO) ator e diretor.
Aos 87, Sergio Britto é tema de documentário, está em cartaz, prepara nova peça para 2011 e diz que só para de atuar quando morrer.
LUIZ FERNANDO VIANNA
Sergio Britto ganhou seis prêmios de melhor ator por "A Última Gravação de Krapp/Ato sem Palavras 1", de Samuel Beckett, entre 2008 e 2009; está em cartaz no Rio com "Recordar É Viver", de Hélio Sussekind; e já se prepara para fazer "O Canto do Cisne", de Tchékhov, no ano que vem.
Aproveitando o título do próximo trabalho, Britto poderia pensar numa despedida. Afinal, já são 87 anos de vida, 65 de carreira, sete pneumonias, duas pontes de safena e uma outra mamária, anemia crônica e um currículo de 106 peças feitas no palco (96 como ator) e 386 na TV (no tempo dos teleteatros).
"Para parar [de atuar], é parar mesmo: deitar na cama e morrer. Aos 87 anos, eu ainda tenho uma vida sexual, mas não basta. O empenho de criar é muito forte. Não há nada que substitua isso. A melhor coisa do mundo é ser ator de teatro. Quem não é não sabe o que está perdendo", exalta.
Essa paixão é o mote do primeiro documentário feito sobre Britto, "O Homem das Mil Fábulas" (título provisório). Ainda em produção e captando patrocínio, é um filme de Célia Freitas e Isabel Cavalcanti, que dirigiu o ator na peça de Beckett e fará o mesmo na de Tchékhov.
"Sergio é, hoje, o maior artista de teatro do Brasil. Toda a história do teatro passa por ele. E ele não parou, está em movimento constante", afirma Isabel.
FRÁGIL
O documentário não pretende mostrá-lo invulnerável. Há registros, por exemplo, da fragilidade física do ator, da falta de firmeza nas pernas e do sono irregular, que o leva a dormir em doses de duas ou três horas ao longo do dia, passando boa parte da madrugada acordado.
Como flagrou o fotógrafo Leonardo Bittencourt, que passou três dias consecutivos na casa de Britto no ano passado, é comum ele adormecer no sofá com a cabeça sobre o "travesseiro Farnese", um catálogo de obras do artista plástico Farnese de Andrade. E ele faz isso dizendo falas de personagens.
"A audição e a visão caíram. Estou só com 50% de visão do olho direito e nada do esquerdo", conta ele. "Mas no palco tudo é fácil. Não é romantismo. Há o prazer em driblar o móvel, passar pelo sofá, dar uma volta na cadeira e sentar do outro lado."
Isabel chama isso de determinação. E foi essa característica que fez, de acordo com a diretora, Britto se tornar "o grande ator que ele é, mas não era, e sabe que não era".
A idade avançada é sinônimo de pais e muitos amigos mortos. Nada que o tenha levado à depressão.
"Sou frio? Sou gelado? Não, é que eu enfrento bem as dificuldades. Lágrimas não combinam comigo."
Ele diz hoje que, quando cortou os pulsos, aos 22 anos, estava representando o desejo de se libertar, livrar-se da medicina que estudou para agradar os pais.
"Quando eu acordei no hospital, perguntei: "O que é isso? Não quero morrer". No mesmo dia, saí no bonde dançando e cantando. Era domingo de Carnaval."
Britto tomou a decisão de, nos anos que lhe restam, apenas trabalhar como ator, não mais dirigir nem dar cursos de teatro. "Os jovens de hoje podem dizer que querem fazer teatro, mas o que eles querem fazer é televisão. Se a televisão chama, eles largam tudo. Não estou falando mal dos jovens atores, mas de uma fase do Brasil em que tudo é mais ralo, mais frágil." (LUIZ FERNANDO VIANNA)
Folha Ilustrada em 14 de agosto de 2010.
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1 comentários:
respeito sempre, pelo que ele foi, e sempre será. boa semana
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